quarta-feira, 10 de junho de 2015

Bedelia du Maurier, uma mulher elegante mas imprudente.

Gillion Anderson, representando Bedilia Du Maurier em Hannibal de Brian Fuller. 

Há uns meses à espera de saber se Hannibal voltaria para uma terceira temporada - questões financeiras envolvidas -, qual não foi a minha alegria quando foi comprada pelo AXN. O compromisso de Brian Fuller é fazer valer um legado imensurável, está certo, mas se não houver telespetadores, o caldo entorna-se. Pelo que me parece que ou é desta que a série dá um pulo estratégico ou será muito difícil mantê-la no ar. A defraudar as expectativas há sempre uma generalidade pelo vulgar. Está mais do que sabido que não será obra de agradar a um mar de gente - veja-se o fenómeno a nível planetário de Game of Thrones, misturando ingredientes que funcionam sempre e colam até os mais tontinhos ao ecrã. Fuller não trabalha a esse nível e eleva a fasquia a um patamar que muito poucos podem alcançar. 


The devil is in the details, nas pequenas coisas que vão passando despercebidas aos mais incautos, mas que se não estiverem pensados de forma hábil, depressa cairão por terra. Talvez seja nesse ponto que Bedelia, a minha personagem feminina preferida da trama, se encontra. Não é, com certeza, apenas um detalhe, mas a sua sumptuosidade e credibilidade devem-se ao grau meticuloso com que cada um deles foi pensado.  Bedelia du Maurir expressa-se eloquentemente - característica base das personagens principais da série -, de voz calma e arrastada, com uma doçura sinistra; usa gestos demorados na sua linguagem corporal. Nota-se que se trata de uma senhora de requinte, bem educada e com uma instrução irrepreensível. Veste-se maravilhosamente, com blusas de seda e cetim, em cores preciosas e ricas, com cortes simples, intemporais e clássicos. As suas saias lápis, assim como os vestidos, sempre no comprimento ora abaixo ou ligeiramente acima do joelho, como convém a uma senhora da sua idade. As suas madeixas loiras fazem lembrar um certo old Hollywood, com as ondas a emoldurar o rosto delicado, de pele leitosa e suave. 


Há uns tempos disse que Hannibal não é homem de mentir compulsivamente. Pelo contrário, arrasta as verdades para o seu mundo particular e manipula-as a seu proveito, característica muito partilhada por psicopatas da pior espécie. Já em Bedelia, sente-se uma fragilidade, um desconsolo eminente, o que a torna estranhamente previsível. Talvez o seu encanto, para além da fisionomia e formas de mulher bela, resida aí. Uma senhora inteligente, culta, de trato requintado, absorvida por uma tristeza mortificante, um antagonismo entre culpa e prazer, torna-se numa peculiar ponte entre Hannibal Lecter e o mundo do mais comum dos mortais e uma tépida presunção de romance. De qualquer forma, Bedelia du Maurir é, acima de tudo, uma mulher imprudente, entorpecida pelo domínio do seu companheiro. Com grande pena, não preciso de capacidades sobrenaturais para lhe adivinhar um destino cruel. Na ficção, tal como na vida real, dormir com o inimigo nunca representará uma boa aposta. 

domingo, 7 de junho de 2015

Self made woman ou como dar a volta às circunstâncias


Gabrielle Bonheur Chanel, na sua juventude. 
Há dias vi um filme belíssimo, sobre a vida de Gabrielle Bonheur Chanel, que viria a tornar-se numa das mulheres mais conceituadas e respeitadas na indústria da moda. 
É impossível não criar um certo desvelo pela personagem e não pensar no poder de encaixe que uma mulher precisava ter no começo do século passado - não assim há tanto tempo. Com 12 anos, infortúnio causado pela morte da mãe, Gabrielle foi deixada aos cuidados de um orfanato e cuidou sempre de ocultar esse facto, religiosamente. Muitos poderão crer que seria uma forma de proteção, que se sentiria vexada das suas origens. Pelo que fui recolhendo sobre a sua fabulosa personalidade, parece-me que evitava falatórios desnecessários, mas, acima de tudo, os olhares piedosos. Pois qualquer mulher que se preze sabe perfeitamente que entre almejar a pena ou a inveja, prefira-se a segunda. 

Audrey Tautou, como Coco Chanel, em Coco Avant Chanel, de Anne Fontaine (2009)

Não poderei dizer que o seu percurso foi imaculado, que a ordem natural e prosaica dos acontecimentos se despoletou sem sujar as mãos. Coco, como lhe chamavam, soube aproveitar o que a genética lhe emprestou, a sua boa disposição, o seu maravilhoso poder de encaixe e fez dos limões uma bela limonada, diga-se de passagem. Pelo meio - porque as histórias bonitas têm o seu lado obscuro - teve de suportar as carícias de um estroina, desrespeitador, que a tinha em algum apreço, mas cuja educação estava longe de fazer dele um cavalheiro em condições. Viveu algum tempo como sua concubina, embora petulante e assertiva, motivo pelo qual despertava imenso encanto. 



Um dia a sorte haveria de lhe trazer um grande amor, Arthur Capel, que é retratado como senhor varonil, de trato fácil e de uma eloquência fabulosa. Infelizmente, viria a casar-se com uma dama do seu círculo social, relegando Gabrielle para um papel pouco honroso de amante. 


Os famosos tailleurs Chanel
Sem Capel não seria, no entanto, possível à Srª. Chanel a independência económica. Depois do atelier em nome próprio a história já é sabida e o percurso foi sempre na direção ascendente. 
Talvez o que melhor se aproveita do exemplo fabuloso de Coco Chanel seja o facto de não se ter resignado à sua sorte. Procurou evoluir, sob todas as adversidades e, embora não lhe possa gabar as escolhas românticas, uma coisa é certa: não foi nenhum trambolhozinho a viver à custa de um qualquer homem. Usou o seu talento e a sua metodologia de trabalho, adquiriu a sua independência económica e gravou o seu nome na história.