quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O mercado em segunda mão e alguns descuidos frequentes.

Kimono vintage
Por cá, embora não seja novidade, só há alguns anos é que se tornou aceitável o mercado dos artigos em segunda mão. Somos sempre, ligeiramente, mais preconceituosos e não há povo com mais manias de novo riquismo do que o português. 
O facto é que este sector, em expansão, apresenta inúmeras oportunidades para o consumidor, todavia, acautelem-se, porque pode impor-se um engano de todo o tamanho. Vejamos: 

Moschino Vintage
Artigos de boa qualidade, duram imensos anos, mas são caros e, por norma, não são extravagantes. São estes os melhores artigos a comprar numa loja vintage e/ou em segunda mãe. Há carteiras com mais de 20 anos, impecáveis, de qualidade inquestionável, que, por vezes são uma herança de família que já ninguém quer. Tenho uma Moschino de 80's que é um desses casos. São clássicos que não passam, simplesmente, de moda. Echapes, cachecóis, chapéus, luvas também podem ser bons achados, se forem de boa qualidade. 
Em relação a outras peças, põe-se a questão dos tamanhos. Se não vestir eximiamente, mais vale deixar de lado, porque o custo de arranjo pode ser elevado e a longevidade pode não justificar mais essa despesa. Claro que se for um tailleur Chanel, pense duas vezes. 
Hoje em dia, já há imensos grupos no facebook dedicados à venda de artigos em segunda mão, no entanto, não raras vezes, o fenómeno dispersa para o disparate. Não faltam roupas de qualidade duvidosa, por si peças inicialmente baratas, na qual o comprador terá uma redução entre 30 a 50% de desconto, mas que não representa uma relação qualidade/preço justificável. Se os seus olhos penderam para este género de artigos, mais vale guardar o dinheiro ou pagar um lanche a uma amiga. 
Em relação aos artigos que tem por casa e que não usa mesmo, vender será sempre uma boa alternativa, mas seja humilde quando colocar um preço e só venda coisas em bom estado, com fotos nítidas, em ambiente limpo, sem muita informação. Não se esqueça que a apresentação vale 50% do seu negócio. Uma peça bem engomada vende-se muito mais rápido do que uma peça mal amanhada, mesmo que de qualidade inferior. 
Truques à parte, o negócio dos artigos em segunda mão podem representar um bom investimento para quem vende e para quem compra, desocupa-lhe espaço precioso no armário, e se conseguir um bom achado, pode poupar imenso dinheiro. Para tudo na vida é preciso parcimónia, ponderação e algum bom gosto. 


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Um incontornável romance sobre fazer de conta.

Fotografia tirada, durante uma das visitas de Alves Redol às fainas de arroz, 1951

A notícia do dia talvez seja esta , mas está longe de ser inesperada. Não vem desbravar nenhum território de ignorantes nem tampouco é a primeira vez que se ouve falar de algo do género. Embora o ser humano tenha uma memória excepcionalmente curta para o que lhe serve de interesse, em Abril de 2013 morreram, em Daca, cerca de 950 trabalhadores, vítimas das más condições de trabalho e segurança, mas, acima de tudo, vítimas do cinismo dos países desenvolvidos e da sua tolerância à brutalidade nos países emergentes. A teoria de que somos imensamente evoluídos, encontra uma barreira física que se fica pelas linhas da Europa Ocidental, Austrália e alguns países americanos. O resto, como alguém um dia profetizou, é carne para canhão.  
Mostra-se uma indignação flagrante em relação às notícias, porém, como já Tolstói escreveu, continuam-se a cometer os mesmos pecados, a alimentar os mesmos vícios e a tolerar, com ligeireza, o que se passa lá longe. 
Há uns bons anos, em Portugal, cenário retratado com um cruel detalhe na obra prima de Alves Redol - Os Gaibéus -, a labuta dos cidadãos simples, sem instrução, era feita desde o nascer ao pôr do sol. O trabalho matava, enlouquecia e espezinhava a existência humana sem rancores de maior. Se houvesse um ceifeiro rebelde, cortava-se-lhe o sustento e da sua débil família.  O estroina voltava ao trabalho sem piar. Porque a máquina precisava de ser alimentada há 60 anos, como hoje. Crer que participamos de uma sociedade evoluída, com preocupações básicas de fraternidade e igualdade de oportunidades é, para além de vulgar e desprezível, uma incontornável façanha de indivíduos implacáveis, cuja agenda é entorpecer as massas. 
O maior trunfo do ser humano é o conhecimento. Mas saberão utilizá-lo apenas em seu proveito ou, um dia, talvez sob um impulso da evolução, aprenderemos a ser altruístas? 




sábado, 24 de janeiro de 2015

Um pouco de precaução não faz mal a ninguém.



Rear Window, de Alfred Hitchcock (1954)

Durante o dia de hoje, nos tempos mortos, aproveitei para dar uma espreitadela em alguns blogues portugueses. Por norma, sigo dois ou três que considero proveitosos e não perco grande tempo com o resto. Ou porque a temática me passa ao lado ou, porque, somente, não me identifico com a escrita. 
Isto para vos falar que, numa dessas passagens rápidas, vi um vídeo, de uma rapariguinha nova e educada - mas incauta -  que se queixava, sem já grande consternação, da avalanche de comentários anónimos sobre a sua vida privada, nomeadamente sobre uma relação findada com um fulano qualquer que, vejam lá bem a tonteria, até já tinha fotografado para o blogue e feito uns vídeos, muito ao jeito: estamos muito felizes e o próximo passo é casarmos na igreja da Charneca, lá para o mês de Agosto. 
Pois embora isto não me diga respeito, traz-me ao pensamento o quanto esta sociedade se enreda em dar a conhecer a vida a toda a gente, na boa fé de que aquilo seja levado muito ao de leve, só para saciar um certo voyeurismo, assim muito ao jeito da Casa dos Segredos, mas mais polidinho. 
Infelizmente, para o bem e para o mal, quem não protege a sua vida e dos seus intervenientes, fica à mercê do enxovalho e do fel de qualquer pessoa menos bem intencionada. Andamos todos assim tão entorpecidos que devassamos a vida privada em qualquer taberna de web? E depois, se sim, então por que diabo ficam estes indivíduos tão afetados com o que fulano e sicrano escrevem ou pensam? Fossemos todos mais recatados e se separássemos o trigo do joio, estas tormentas eram todas escusadas. Porque, meus caros, não somos todos educados eximiamente e quem se descuida de si e dos seus, não pode ficar afetado com a brutalidade alheia, por muita náusea que cause.  

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A pregar em vão.

Doris Day
Uma mulher realmente tem classe quando rejeita que um animal morto seja colocado sobre os seus ombros. Só assim será realmente bela. (Doris Day)

Não me canso de ser acérrima defensora de alguma sensibilidade e bom senso. Bem sei que nós mulheres temos deveres e virtudes que não estão ao alcance dos homens, por muito que os tempos mudem, as mentalidades evoluam. Uma mulher será sempre, inevitavelmente, um ser mais belo, mais sensível. Pedir-se-á muito mais de uma senhora do que de um cavalheiro. No entanto, não confundamos as coisas. Lá porque uma mulher, para além de ser uma profissional respeitável, dona da educação e da razão, que por vezes, fragilmente, dá lugar às questões do coração, não quer dizer que não deva ser bela, num sentido que nada tem a ver com frivolidades - e com isto mais profundamente me refiro não às formas físicas, mas à inteligência nos modos, na maneira de vestir, no conhecimento que têm do seu biótipo, dos seus pontos fortes e das suas fragilidades. 
O conceito de beleza, como já algumas vezes referi, vai para além das formas físicas, é aquilo que transparece, algo que vem de dentro para fora, é um cultivar da mente que se denota na delicadeza dos gestos e atitudes, na maneira como vestimos, como nos penteamos, como queremos que o mundo nos veja. O que vestimos será sempre o espelho do que almejamos para a nossa vida. Por muito que muitas senhoras feministas desenfreadas o contradigam. 
Kate Moss envergando um casaco de pêlo. 
Quando vejo publicações de moda fazerem vénias desmedidas a toilettes como a de Kate Moss, confesso que fico com os nervos em franja. Se bem se lembram de Jayne Meadows, senhora belíssima, inteligente e perspicaz, uma mulher à frente do seu tempo, que nos ensinou - ou deveria, para as mais distraídas - que de uma mulher espera-se, acima de tudo, uma atitude delicada. Usar peles vai contra todo o conceito de fraternidade, amor pelo próximo, respeito pela mais pequena forma de vida. Costuma-se dizer que se queremos viver pacificamente, devemos adotar o mantra vive e deixa viver. Nunca, por mais que senhoras de índole pusilânime o registem nos meios de comunicação e criem verdadeiras seitas da moda, matar será uma questão de estilo e elegância. Claro está que não me parece, atendendo às atitudes da senhora Moss, que abunde muito discernimento e inteligência, mas seria pedir demais se se esperasse alguma sensibilidade? 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Um belíssimo engano.



Há bastante tempo não via um filme tão belo e prosaico como The Theory of Everything. Baseia-se na vida privada do casal Jane e Stephen Hawking, mais concretamente no livro que a primeira senhora Hawking lançou, com o título Viagem ao Infinito.
Ressalvo, nesta dissecação, que não li o livro nem faço pretensões de ler, portanto, foco-me no filme e nos numerosos artigos que consultei, dando conta de algumas incongruências. 
Existe todo um enlevo magnífico que prende o espectador ao ecrã e que transporta para um clima de romance puro, uma mística muito cinematográfica que, raramente, ultrapassa a ficção. Quando Jane aceita, resolutamente, casar com Stephen - um homem de intelecto evoluído e deslumbrante -, apesar da sua condição de enfermo, acontece imediatamente um ligação generosa com a personagem, interpretada por Felicity Jones. 
No entanto, e já nos basta os tormentos naturais de uma relação ao longo dos anos, soma-se aqui um elemento de stress que foi sendo, ligeiramente, aniquilado durante o filme: a doença degenerativa de Stephen Hawking. 
Jane aparece como uma mulher de poucos sonhos, devota, não se lhe conhecem amigos e acaba por se interessar pelo professor de piano dos seus filhos, um homem honesto e ponderado, que se mostrou irredutível na certeza do seu amor. 
Os votos acabaram por se quebrar quando Hawking se aproxima da sua enfermeira, Elaine Maison, em 1995, depois de  30 anos de casamento, terminados com um incongruente diálogo, no qual Jane apenas reafirma que foram demasiados anos sob tamanha pressão. 
Soma-se a toda esta pacificidade a esplendorosa The arraival of the birds, da Cinematic Orchesta e temos as derradeiras cenas do conto de fadas, com uma retrospectiva de um casamento pacifico e, acima de todas as probabilidades, feliz. 

Porém, analisando os factos, não há grande lugar a histórias de princesas e príncipes. Houve uma mulher, que no filme aparece quase aniquilada, com aspirações e sonhos, que teve amigos, que teve paixões e que existiu para além da personalidade de Stephen Hawking. 

Contrariamente ao que ficou latente no filme de James March, o matrimónio não se desfez com palavras afáveis e o relacionamento com Elaine Maison, a enfermeira de comportamento dúbio e tosco, foi um pequeno tormento para o físico renomado, havendo, inclusive, rumores de violência doméstica. Verdade ou não, há que não esquecer da máxima de que what goes around comes around.
E desta forma, caiu por terra talvez o filme mais belo do ano, com especial ressalva para o trabalho de Eddie Redmayne, que talvez seja congratulado com o Óscar. 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Angústia noturna.


Nightmare por Enry Fuseli

Há uns largos anos, quando li o Aparição, de Vergílio Ferreira, lembro-me de ser abordada a questão da noite, do porquê de nos sentirmos menores e de, num instinto complexo, sermos levados a expressar-nos por sussurros. Alberto Soares, a personagem principal e narrador presente em todo o romance, cria que será porque nos sentimos não existir, que temos necessidade de nos vermos, nem que seja uma leva penumbra. No entanto, pensando amplamente sobre isso, será impossível não dissociar esse sentimento de indivíduos com deficiência visual. Ou, porventura, a noite também será sempre mais tenebrosa para eles do que o dia? 
Em O Aroma a Goiaba, uma vasta entrevista sobre a vida pessoal e profissional de García Márquez pode ler-se uma passagem também a propósito deste tema: "Era uma sensação irremediável que começava sempre ao entardecer e que me inquietava mesmo durante o sonho, até que voltava a ver pelas frinchas das portas a luz do novo dia... era de noite que se materializavam todas as fantasias, presságios, evocações..."
À excepção do misticismo, que se esmaga pelo peso da minha educação ceticista, compreendo todo o alvoroço silencioso à volta da noite e dos demónios que nela tomam formas hiperbólicas. Tudo se torna mais soturno, é nesse período que se dá uma reflexão mais demorada e que se encontram soluções rebuscadas para problemas mais umbrosos. Há bastante beleza na noite, mas também há muito mais fatalismo. 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O eterno dilema do padrão animal.

Há peças da Zara que, decididamente, não recomendo. Nomeadamente os sobretudos que, à primeira vista podem parecer bonitos e polidos, mas assim que se trazem para casa, sofrem uma miserável transformação. Some-se a isso quatro animais domésticos e passa-se a vida com o rolo de limpeza na carteira e nunca se consegue grande feito, porque, azar dos azares, afinal a peça era mesmo bonita apenas na montra e seria lá que deveria permanecer. Erros à parte, o calçado da marca espanhola é de boa qualidade - ao contrário daquilo que poderão pensar. Confortável, preço razoável, duradouro e fiável, como raramente se encontra até em lojas cujos preços são pensados para um cliente mais abastado. 
O modelo que vos mostro pertence à nova coleção e considero, simplesmente, encantador. Embora me debata com o eterno dilema do padrão animal - que raramente se encontra noutro material a não ser pêlo de vaca ou de pónei, o que considero ultrajante - este formato de bota é tão elegante que não cria qualquer ruído visual, se encaixado numa toilette discreta. 

Para reforçar o quando gostei do artigo, para quem opta por não comprar peles verdadeiras, como eu, é uma grande odisseia encontrar calçado ou acessórios vegan, pelo que, quando vejo preciosidades destas, é de pensar se não vale a pena fazer uma visita à loja. 

Na medida certa.

Nem me vou dar ao trabalho de comentar as toilettes decadentes dos Globos de Ouro 2015, à excepção da escolhida pela singela Diane Kruger. Sempre o mesmo fru fru, os mesmo designers, os mesmos cortes, as mesmas poses encenadas ao milímetro para se parecer sempre a mesmíssima coisa. Uma maçada. Ontem, em directo, ainda deitei o olho e aborreci-me com tanto disparate, com tanta pele tostada de solário, com tanto discurso enfadonho e decorado. No entanto, honras sejam feitas a quem as merece, e tinha de referir que, uma vez mais, Diane Kruger fez aquilo que outras podem passar uma vida inteira a tentar, sem nunca alcançar: sobriedade, descrição, leveza, uma aura magnífica de senhora de outros tempos, daquilo que já pouco se vê. O vestido não era sumptuoso - bem pelo contrário -, uma criação mediana de Emilia Wickstead, que corria bem o risco de passar por mais um fracasso, não fosse a perspicácia da actriz ou do seu personal stylist que modelou, quase como se de uma segunda pele se tratasse, o vestido ao corpo de Diane. E eis que temos um resultado deslumbrante, sem aborrecimentos de maior, pedrarias pesadas, decotes fulminantes ou réplicas de indumentária de senhoras de prostíbulo - e pronto, desculpem-me os melindrosos. 



segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Uma mulher demasiado tenaz para um homem tão banal.


Rosamund Pike em Gone Girl, de David Fincher. 


David Fincher é um homem inteligente. As pessoas  inteligentes observam com paciência de eremita os comportamentos humanos e retiram o melhor que essa observação empírica lhes pode trazer.
Quando Gone Girl estreou nos cinemas - com imensa pena, deixei passar -, já sabia, de antemão, que dele, nunca poderia esperar um trabalho reles ou até mediano. Quando faz alguma coisa, faz com a certeza de que faz bem. É um profissional exemplar e, arrisco-me até a erguê-lo à categoria de pequeno génio do cinema. 
Em Gone Girl, não creio que Fincher quisesse rotular Amy Dunne como uma psicopata ou sociopata declarada. A personagem é lasciva, inteligente, vanguardista, muito à frente do seu esposo tosco e mediano. 
Embora a trama seja intensa e possa ser um deleite visual para o espectador, depois de acabar de ver o filme, lembrei-me de algo que já a minha mãe dizia sobre o relacionamento romântico: tem que se escolher alguém ao nosso nível.  
Com isto não queria dizer nível financeiro, não falava de berço nem de grau académico, referia-se a algo muito mais profundo. Na altura, desvalorizei, mas hoje percebo perfeitamente a mensagem. 
Um homem e uma mulher devem estar no mesmo patamar intelectual. Não precisam gostar das mesmas coisas, como é óbvio, mas devem - e isso é crucial - detestar afincadamente as mesmas coisas. Aquilo que não se suporta, aquilo no qual jamais cooperariam, deve ser igual. Para mim, que não suporto má educação, estar com um homem grosseiro, seria um verdadeiro tormento. Isto a título de exemplo. 
Quando os casais se encontram em níveis intelectuais muito divergentes, acontece uma rotura. Quando a cegueira da paixão começa a tornar-se mais límpida, encontra-se um fosso demasiado preponderante para poder ser mitigado sem males de maior. 
Amy devorava livros, era imperial e majestosa, exprimia-se gentilmente, mas com acérrimo, detinha uma leveza nas acções que não se dava por ela e, no entanto, quando as divergências foram demasiado grosseiras para se poderem ignorar, quis, mais uma vez, mostrar ao mundo o quanto estava a léguas do comportamento tosco do esposo. 
Trecho do diário de Amy Dunne, referente ao marido, em Gone Girl
Amy pecou, no entanto, por obstinação e, às vezes, mais vale deixar fluir e cada um viver com os seus demónios ao invés de um massacre rotineiro e cansativo. Para além de que, quando se ultrapassam determinados limites, não há, quase nunca, volta a dar. O que não tem remédio, remediado deveria ficar. 

domingo, 4 de janeiro de 2015

Anda a rir-se o roto do esfarrapado.


Cena do filme The Help (2011), de Tate Taylor. 


Ontem fui incumbida, por uma amiga, de ir a uma loja apinhada de gente em busca de um artido que, afinal, já havia esgotado. Acabei por comprar alguma coisa da qual precisasse verdadeiramente, dado que já tinha feito uma viagem de mais de vinte minutes a pé. Adiante, que não é sobre isso que vos venho falar. Isto para dizer que, no tempo que estive na fastidiosa fila de pagamento, ouvi um discurso memorável. Primeiramente, pareceu-me daquelas conversas chatas de mulheres. Que fulana tinha comprado não sei o quê, que tinha muito mau gosto, e que agora parecia uma matrafona. Mas a coisa foi-se adensando:

-  Pois, está gorda e mal feita. 
- Ela contou-me que vai todos os dias ao ginásio... não sei como está naquela figura. 
- Ah pois, o ginásio... que feche é a boca que ela come muito. Agora veio-me dizer que era por causa do filho, para não fazer duas comidas. Eu desde que tive o meu, que faço isso para manter a forma. É preciso fechar a boca, é o que é! 

Ora pus-me a pensar sobre o tipo de alimentação das pobres alminhas dos seus filhos. Comiam um leitão da Bairrada ao almoço e feijoada ao jantar, para se verem obrigadas a fazer pratos diferentes?! Pareceu-me demasiado rebuscado e até de um certo dramatismo clássico. Porém, quem me lê deve considerar que a senhora que insultava acerrimamente as formas avantajadas da outra era uma mulher elegante. Desenganem-se. Ao olhar para trás, de soslaio, deparei-me com uma pessoa, com menos de 30 anos, cara deslavada e olhos de quem acordou não faz grande tempo, um corpo grande e volumoso, com coxas que, seguramente, seriam duas pernas das minhas, e tudo isto trilhado - não me ocorre outra palavra, que me desculpem - num casaquito de algodão e umas leggings medonhas, de tecido melindroso, daquele que quando se estica, vira transparente (as lycras desta vida). E já dizia a minha avó, muito sabiamente, que anda por aí muito roto a rir-se do esfarrapado e muito sujo a rir-se do mal lavado.