segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Uma mulher demasiado tenaz para um homem tão banal.


Rosamund Pike em Gone Girl, de David Fincher. 


David Fincher é um homem inteligente. As pessoas  inteligentes observam com paciência de eremita os comportamentos humanos e retiram o melhor que essa observação empírica lhes pode trazer.
Quando Gone Girl estreou nos cinemas - com imensa pena, deixei passar -, já sabia, de antemão, que dele, nunca poderia esperar um trabalho reles ou até mediano. Quando faz alguma coisa, faz com a certeza de que faz bem. É um profissional exemplar e, arrisco-me até a erguê-lo à categoria de pequeno génio do cinema. 
Em Gone Girl, não creio que Fincher quisesse rotular Amy Dunne como uma psicopata ou sociopata declarada. A personagem é lasciva, inteligente, vanguardista, muito à frente do seu esposo tosco e mediano. 
Embora a trama seja intensa e possa ser um deleite visual para o espectador, depois de acabar de ver o filme, lembrei-me de algo que já a minha mãe dizia sobre o relacionamento romântico: tem que se escolher alguém ao nosso nível.  
Com isto não queria dizer nível financeiro, não falava de berço nem de grau académico, referia-se a algo muito mais profundo. Na altura, desvalorizei, mas hoje percebo perfeitamente a mensagem. 
Um homem e uma mulher devem estar no mesmo patamar intelectual. Não precisam gostar das mesmas coisas, como é óbvio, mas devem - e isso é crucial - detestar afincadamente as mesmas coisas. Aquilo que não se suporta, aquilo no qual jamais cooperariam, deve ser igual. Para mim, que não suporto má educação, estar com um homem grosseiro, seria um verdadeiro tormento. Isto a título de exemplo. 
Quando os casais se encontram em níveis intelectuais muito divergentes, acontece uma rotura. Quando a cegueira da paixão começa a tornar-se mais límpida, encontra-se um fosso demasiado preponderante para poder ser mitigado sem males de maior. 
Amy devorava livros, era imperial e majestosa, exprimia-se gentilmente, mas com acérrimo, detinha uma leveza nas acções que não se dava por ela e, no entanto, quando as divergências foram demasiado grosseiras para se poderem ignorar, quis, mais uma vez, mostrar ao mundo o quanto estava a léguas do comportamento tosco do esposo. 
Trecho do diário de Amy Dunne, referente ao marido, em Gone Girl
Amy pecou, no entanto, por obstinação e, às vezes, mais vale deixar fluir e cada um viver com os seus demónios ao invés de um massacre rotineiro e cansativo. Para além de que, quando se ultrapassam determinados limites, não há, quase nunca, volta a dar. O que não tem remédio, remediado deveria ficar. 

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