quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Angústia noturna.


Nightmare por Enry Fuseli

Há uns largos anos, quando li o Aparição, de Vergílio Ferreira, lembro-me de ser abordada a questão da noite, do porquê de nos sentirmos menores e de, num instinto complexo, sermos levados a expressar-nos por sussurros. Alberto Soares, a personagem principal e narrador presente em todo o romance, cria que será porque nos sentimos não existir, que temos necessidade de nos vermos, nem que seja uma leva penumbra. No entanto, pensando amplamente sobre isso, será impossível não dissociar esse sentimento de indivíduos com deficiência visual. Ou, porventura, a noite também será sempre mais tenebrosa para eles do que o dia? 
Em O Aroma a Goiaba, uma vasta entrevista sobre a vida pessoal e profissional de García Márquez pode ler-se uma passagem também a propósito deste tema: "Era uma sensação irremediável que começava sempre ao entardecer e que me inquietava mesmo durante o sonho, até que voltava a ver pelas frinchas das portas a luz do novo dia... era de noite que se materializavam todas as fantasias, presságios, evocações..."
À excepção do misticismo, que se esmaga pelo peso da minha educação ceticista, compreendo todo o alvoroço silencioso à volta da noite e dos demónios que nela tomam formas hiperbólicas. Tudo se torna mais soturno, é nesse período que se dá uma reflexão mais demorada e que se encontram soluções rebuscadas para problemas mais umbrosos. Há bastante beleza na noite, mas também há muito mais fatalismo. 

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