Hernâni Cidade no Prefácio de Luís de Camões, Obras Completas, Vol. I
Tinha 14 anos quando a exemplar professora de Língua Portuguesa me falou de Camões. Contou, com uma paixão que nasce connosco, nas entrelinhas a sua vida, os desamores, a fortuna e o fado que o acolheu até o último suspiro.
Certo dia, pediu-nos para nos sentarmos em silêncio, escureceu a sala, ligou um televisor gigantesco e poeirento, e vimos Camões, ano de edição de 46, com o belíssimo António Vilar no papel do "falcão que perdeu a pena".
Certo dia, pediu-nos para nos sentarmos em silêncio, escureceu a sala, ligou um televisor gigantesco e poeirento, e vimos Camões, ano de edição de 46, com o belíssimo António Vilar no papel do "falcão que perdeu a pena".
A partir desse dia, conheci uma paixão platónica pela sua excelência, pela febre dos seus poemas, não me referindo apenas às suas peças e à imortalidade de Os Lusíadas.
Ferido na sua angústia de poeta, que sente não só na alma como lhe ardem as mãos sob o mandamento único de expurgarem a sua dor, Camões compreendeu, de forma exímia, que o amor é algo que mata, que fere, que dilacera, mas do qual não se pode fugir. Por tudo isso, ainda hoje o amo como há treze anos.
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?"
Luís de Camões
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