quarta-feira, 12 de junho de 2013

Estados de loucura ou encenações bem conseguidas?


Ofélia morta sobre as águas, por John Everett Millais
Pouco intriga de forma tão arrasadora a mente humana do que o conhecimento da loucura, as suas causas e a sua cura potencial. Já se dizia que de loucos temos todos um pouco, que qualquer um de nós, no auge da sua sanidade, pode prestar-se a uma crise de consciência, a um regurgitar de emoções meramente fingidas ou acumuladas com honestidade, sem que para isso esteja no limiar da enfermidade da mente.
Em Hamlet, de Shakespeare, o belo príncipe encena uma loucura visceral, demoníaca, que acaba por apavorar os que o rodeiam, criando desconforto e males irreparáveis. O autor conta-nos, com confidências quase que secretas, que a loucura é contagiosa, que fere lentamente e sangra até não restar gota de vida. Ofélia foi, pois, a verdadeira vítima da loucura do pérfido Hamlet. Levada pelas tormentas, quis romper as amarras com a vida sem que se tivesse apercebido a tempo que ela própria estava, irremediavelmente, perdida para o lugar das temeridades.
"Na margem da vizinha ribeira cresce um salgueiro, cuja prateada folhagem se reflete nas águas cristalinas. Tua irmã aproximou-se daquele sitio, sempre tecendo grinaldas de rainúnculos, ortigas, malmequeres, e dessas flores a que os nossos pastores dão um nome bem grosseiro, mas que as nossas castas donzelas denominam poeticamente "dedo da morte". Quando procurava ornar com as suas inocentes grinaldas as argênteas frondes do salgueiro, oh! desgraça! descuidosa foi envolvida na corrente, cercada dos ornatos que lhe serviam como de corôa virginal. Algum tempo suspensa pelas vestes sobre a corrente, assimilhava-se a uma sereia, cantando incoerentes trechos, inconsciente do próprio risco, como se estivesse no seu nativo elemento. Mas tudo tem um fim, e em breve, sossobrando pelo peso das encharcadas vestes, cessou de cantar, e tornou-se cadáver levado pela corrente."
Assim como a prosaica e inocente Ofélia, qualquer um de nós, no auge da sua imprudência, se pode contagiar com estados de loucura fingida, de maldade pura, de gente que vem ao mundo para nos atormentar sem piedade, que rouba a dignidade e, em último recurso, a vida.
Pois que ninguém nunca diga que Ofélia jazia morta sobre as águas por desgosto de amor. A dama definhou com a doença que a ela não lhe pertencia. E Hamlet? Esse, caros leitores, fica para outros Carnavais.

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